sábado, 19 de dezembro de 2009

Matéria do globo repórter, um ensinamento!

Jovem reaprende a andar depois de perder os movimentos

Aos 14 anos, Messias de Oliveira ficou tetraplégico. Hoje ele ajuda na reabilitação de pessoas que sofreram o mesmo trauma.

É quase impossível passar pela Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, sem parar um pouquinho e apreciar a vista. Mas para o jovem auxiliar administrativo Messias de Oliveira parece um milagre ver a paisagem de pé e caminhando. Messias sempre gostou da natureza, da água. E foi o mergulho em um rio que marcou a vida dele, aos 14 anos.

“Eu só senti o impacto. Em alguns instantes, pensei que estivesse perdido no espaço, no escuro, até o momento em que abri os olhos na água. Eu falei: ‘Meu Deus, estou morrendo’”, lembra Messias.

Na hora, ele ficou tetraplégico. “Quando a minha prima me tirou, e eu estava às margens do rio, ela foi buscar ajuda. As pessoas que chegaram não sabiam o que estava acontecendo. Então, pegaram nas minhas pernas e braços e tentaram me levantar, só que eu não sentia meu corpo”, conta.

“Eu fiquei com a cabeça sã em um corpo relativamente morto. Isso é muito marcante”, diz ele.

Messias tinha o olhar restrito ao teto e aos corredores de hospitais, em uma cadeira de rodas ou deitado. Ele não se movia do pescoço para baixo. O adolescente cheio de energia agora dependia de ajuda para tudo.

“O pior momento foi a primeira vez em que eu o vi. Ele só mexia os olhos e perguntou ao médico se iria voltar a andar. O médico disse para ele nem se mexer muito porque a qualquer momento podia morrer", conta a irmã Verônica de Oliveira.

Foram seis meses de agonia, com um colar cervical sustentando a cabeça, até que outro médico acreditou nas chances de Messias.

Ele tinha fraturado quatro vértebras na altura do pescoço, e elas comprimiam a medula óssea, impedindo os movimentos. Por sorte, a medula não se rompeu. Em uma cirurgia, a posição das vértebras foi reconstituída com o auxílio de pinos e de uma placa de titânio.

“Ele teve uma lesão que comprimia a medula de forma severa, de modo que a cirurgia consistiu na descompressão da medula e no trabalho de reabilitação, que é fundamental nesses casos, sobretudo a recuperação e a determinação do paciente”, explicou o cirurgião Deusdeth Gomes do Nascimento.

Repetir, repetir, repetir. Imagine até oito horas por dia cinco vezes por semana. Essa foi a rotina de Messias durante anos. Como todos determinados a superar problemas assim, é claro que ele contou com a ajuda da medicina, mas também fez a parte que cabe a cada um: ter perseverança e acreditar nos resultados.

Messias começou a recuperar os movimentos logo depois da operação. Nove meses após o acidente, caminhava de novo. E queria mais!

“Eu passei muito tempo vendo o mundo pela metade. Quando comecei a perceber o quanto é importante acordar, olhar o céu, a natureza, exercitar a cidadania, observar os transportes, as barreiras que essas pessoas que ainda estão na cadeira enfrentam e lutar por isso, lutar por uma qualidade de vida melhor, sempre”, ressalta Messias.

Messias voltou a estudar. Durante um ano, treinou escrever com a mão esquerda e virou canhoto para compensar as limitações da mão direita. Hoje, trabalha na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), onde foi tratado, e entrou para a faculdade. O aluno aplicado está se formando em psicologia neste mês.

“Ele gosta de trabalho perfeito. Então, para fazer trabalho com ele, as pessoas têm que se dedicar de verdade. Se não for se dedicar, não adianta fazer com ele”, conta a estudante Raquel Alonso.

“Nunca nós o vimos na sala reclamando de alguma coisa da vida, ou da aula, ou de situação financeira”, diz o estudante André Emílio Costa.

A turma acompanhou a evolução do colega para caminhar. Todos os dias, nos cinco anos de curso, o estudante Francisco Barros ajudou Messias a chegar até o ponto de ônibus.

“No início, ele tinha muita dificuldade de se locomover. Até nós chegarmos no ponto, parava várias vezes. Nós levávamos aproximadamente 25 minutos a meia hora”, lembra o estudante Francisco.

Uma amizade colocada à prova, em uma dessas noites.

“Duas pessoas que estavam em uma moto assaltaram uma menina bem na saída da faculdade e saíram com armas nas mãos dando tiros”, conta Francisco.

“Eu também estava com medo, mas o Francisco não podia ser atingido por minha culpa”, diz Messias.

“Ele disse para eu correr que ele ficava. Eu falei: ‘Messias, não vou correr. Vamos ficar nós dois. Se morrermos, morreremos juntos’”, brinca o amigo Francisco.

Juntos, chegaram ao fim do curso. E um com o outro aprenderam bem mais do que a profissão de psicólogo.

“Eu tinha o hábito de começar um curso e não dar continuidade. Comecei vários curso e não prossegui. Por várias vezes, me inspirei no Messias”, define Francisco.

O rapaz nascido e criado no interior de Pernambuco desconhece a palavra "impossível".

“Alguns até me chamaram de louco, perguntaram como eu ia cavalgar. Eu digo que é a minha paixão. Se eu não lutar por aquilo que me move, de que adianta viver?”, questiona Messias.

Pura paixão: pelos cavalos, pela vida. Foi como Messias reconquistou tudo o que parecia ter sido tirado dele. Em uma hípica ele reencontrou a infância, o que gostava de fazer quando menino. Retomou as rédeas da própria história.

Hoje mais maduro, ainda é como aquele jovem de 15 anos atrás, antes do mergulho, cheio de sonhos para realizar.

“É uma sensação incrível estar em cima de um cavalo”, conta ele.

O próximo passo é ajudar, como psicólogo, na reabilitação de pessoas que também enfrentam situações difíceis.

“Minha vontade era vê-lo andando, isso para mim já seria uma glória. Vê-lo se formando é uma emoção e tanto”, ressalta a irmã.

Emoção para todos os personagens desta história. O rapaz que reaprendeu a andar sabe que não teria conseguido nada sozinho.

“Eu acho que a verdadeira amizade nunca morre, nem quando a morte se faz presente. Onde nós estivermos, continuaremos. Nosso corpo é a matéria que, às vezes a gente dá tanto valor, que serve para alcançarmos objetivos terrestres. Mas nossa essência, nossa alma, é muito mais forte”, afirma Messias.

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